20 janeiro 2010

Tinto





Um dia sempre sonhei que a essência
fosse o vinho
Mesmo no sentido boêmio quando santo
Explora o mais profundo e vadio encanto
que transcorre como um trago.
Sozinho ou pouco acompanhado
Me invade de boas histórias
É exatamente nesse dia!
sempre sonho e louvo à glória!

Que morro e reinvento a vida
E meu instinto indeciso fica latente
Entre as linhas da mão, da página
de idas e vindas
Daí o mundo dá voltas...
Logo estou de volta, prostrada e branca
Feito uma planta conformada ao seu eixo
Queixo-me das falhas, mas se valha!

Por todas as instâncias esses momentos
Retardam os efeitos do envelhecimento.

05 janeiro 2010

Domingo de Páscoa



(E a despedida dum outro grande homem)


PARA MEU AVÔ – JOÃO DAVID (in memoriam)



I
Fecha teus olhos e descansa
Não serão desmanchados os ensinamentos
Das tuas crianças
Que hoje adultas, promovem triste enterro
Com as mais belas flores; vertem
Lágrimas de desespero
E saudade
Do tempo em que pouco sorriste
E quando fluía nos sinceros risos
O amor e fidelidade aos teus;
Construía da alma a própria realidade.

II
Ao cortejo, o silêncio das tuas lembranças
Não me dizia nada além do que não soube
A face endurecida, as mãos gélidas
Branca estava sua pele de menino
O terno e as flores brancas...
As dores tantas... As ternas lembranças!
Traços delicados de uma velhice
Quase não aceita
Permanecendo no gesto oculto, um ensinamento
Que simplesmente não posso exprimir
E nem preciso! Apenas sinto
Como a perda e a dor no momento
De te ver partir...

III
Seu passado, sua história e seus passos
Estão escritos nas trilhas urbanas
Do trem das cinco... Todo dia soava
Anunciava o fim da tarde, a despedida
E uma sisudez fingida por não saber
Se valia extrair as dores da ausência
As ruas que vagou feito mendigo
Um pão e um copo de água
Um trabalho e uma personalidade de felino
Os calos feitos pela fuga do abandono
E da existência.

IV
E não apenas fugiu por falta de causa
Além da causa, além do medo
Uma vontade de se tornar o braço direito
E constituir uma família linda
De gente forte e fina... O patriarca
O grande nome da família!
Respeitado pela honra de o ser
Por imposição menos que por respeito
E então se dedicou por inteiro
Ao povo que muito bem cresceu
Além de não sair de perto do seu leito.

V
Fecha teus olhos e descansa
Não será deserdado teu legado
Os sete palmos contados, as pás de terra
Sobre teu frágil corpo... Aliás
Tinha razão; tudo vira terra!
Mas valeu a pena o teu concreto
Teu eterno semblante de marrento
E infantil coração de protetor e amante
Apenas dos teus... Só para os teus...



Shauara David
12/04/09


*Único poema (da autora) datado em razão da partida do grande homem que foi e continuará sendo o orgulho da família David. O pai, esposo e avô sempre nos impulsionou a buscar o crescimento interno com dignidade e paciência. Obrigada por ter sido grande e o espelho! Que teu descanso merecido seja eterno na paz de Cristo.

04 janeiro 2010

Corpo Coberto de Tinta




(A Olavo Oliva)


Quis me conhecer e consegui!
Pintei a alma de cores diversas
Até que atravessou ao corpo
Extravasou num sopro ao ouvido
Uma fala docemente amansada:
Sobre as dúvidas e quantas almas;Meus pés e a calma que refleti...
Quis me conhecer e não entendi!
O corpo nu, no entanto a mente
Coberta de tudo que vivi
Mil latas de tintas... De risos ligeiros
Dentro os devaneios, os dias perdidos
As telas que fiquei por colorir
E os brancos que foram escondidos.

Quis me conhecer e permaneci;
Sem decifrar quais cores me cobriam
Sem me importar se alguém via
Ou se a sede de mudar o piso
Era aviso de pouca moeda.
Assim passei anos e anos de tintas
Das histórias tantas que restam.

A casa amarela





O dia só tem 24 horas
E me perdi das casas amarelas
Que costumava construir meu avô
Reflexivas ruas antigas
Onde ele caminhou cheio
De pensamentos; Preocupado
Com o que hoje não passa
De seu descanso
A criação preta e branca de seus filhos
Embaçaram os fatos com o tempo

O dia só tem 24 horas
E as horas realmente passam
Em pouco viram anos, séculos
E nunca estou preparada
Desculpa sempre... Nunca desculpa
Alheia a tudo, não me importa nada
Apenas encontrar a casa
Dentro do beijo do meu avô
Que se inclinava até a testa
E saía... Indiferente e carinhoso

O dia só tem 24 horas
E vejo que termino sempre só
Meus pais embarcaram no último trem
Sorrindo e acenando com as mãos
Eles brigavam, mas o cordão umbilical
Foi desproposto e amarelado
Como a casa que nem cheguei
A visitar
Pois estava sem luz, sem móveis
E sem a idéia de construção e
Cimento

O dia só tem 24 horas
Gira mundo em meu redor à toa
Colorido, cinza, verde...
Vez amarela
Como a espera de voltar à felicidade
Que faltou
Mas os risos ainda bem funcionam
Raspa... Passa... Pára... Desaba
Só não a casa amarela
Que construiu meu avô.

03 janeiro 2010

Tempo





Assisto no relógio
A história que me circunscreve
E pouco a pouco
Não passa, transforma!
Busco algo na bolsa
E me perco dentro dela
Como um tropeço abstrato
Que depois do tento, mudo.
Deformo o invento
De forma que ainda insiste o leitor
na sonoplastia
E passo a passo assiste o relógio
Desinforma o que virá
Ativa a volta do estado de graça
No bairro, na praça, no banco
Minimalizo a vida, os fatos
E volto a ser criança

Felicidade falida





Gosto do que desesperadamente falta
A caixa de fósforo
Com um palito queimado e cinzas
Que outrora serviu de despejo
Faltou cinzeiro, acaba o incenso, suja a cozinha.

Simbolizo meu querer à geladeira vazia
Apenas água e insosos temperos
encrostrados na porta junto às cascas
de ovos que colaram por desespero.

Gosto do desgosto da saudade selecionada
O choro plastificado das dores
Trouxe respostas e outros sonhos
Buscas incessantes de qualquer chance
( sem perspectivas!)

Gosto da falha pesadamente acidental
Numa construção artística que surge lento
Mas não consegue voar e ainda assim
Conhece a sensação de corpo suspenso.