17 novembro 2011

Carlos Drummond




A poesia de Drummond me soa como uma música hipnotizante,
um barco distante sem despedidas no porto
vêm como cidades, engajadas nos braços os discursos inúteis
uma pedra na retina fatigada, um anjo torto
anunciando a morte do leiteiro
os poucos beijos, as ruas sinuosas, a máquina do mundo...
É tudo teu, Drummond, esse nome que funde
língua e lábio na delicadeza cruel da poesia.
e faz de ti mais forte o quanto nem imaginavas...
Ah! Drummond, como me faz bem repetir teu nome!
é a confirmação que a festa acabou, por que houve festa
permaneceste desarmado. Em nenhum momento
contasses as casas mais nostálgicas
nem precisaste catar o verme nem curar a sarna
Teu peito de artista incha, sem que a flor desapareça
Não te esqueças, meu caro, que a sentença
do poeta é ver que além do orfanato, do muro
os segredos anunciam-se ligeiramente
enquanto as palavras refugiam-se na noite, mas não me canso!
Ainda procuro da poesia a mesma flor
que rompeu o asfalto; Façamos silêncio! Ele avisa:
Através das buzinas nasce o medo,
Pra que ruas tão retas? Porque ruas tão largas?
Ah Carlitos! Não esconda tua rosa do povo!
mesmo em Itabira, percorreste o mundo;
vida dupla, tripla, infinitas vidas...
Devias estar certo: A solidão de Deus é incomparável
Triste como a riqueza da poesia
ser um sinal de menos,
infinda quanto o insuportável cheiro da memória
porque a vida é gorda, oleosa, mortal
mas permaneceste vivo nos áureos tempos, coisa rara!
Ainda mais escasso é colher versos das boas árvores
colocá-las num cestinho verde
e degustar sem urgência essa tarde
branda
ausente.

03 novembro 2011

Anonimato




Na esquina do mundo bifurcam becos
Em um há tiros, vácuos e anônimos
No outro há bichos, braços, casais
e anônimos. Mas não fica só aí;
barrigas soltas carregam, além dos quadris, sacolas:
ovos, pães, bolachas, algumas roupas
e uma incrível transparência.
Existem também as traições e Silva Neto;

O funcionário da farmácia, dos olhos inquietos
Apenas uma noticia: Foi atropelado.
mal fechou as mãos e substituíram o coitado
A quem mais perto chegou da dor, os vizinhos
durou os poucos instantes em que
reconheciam seus destinos,
o silêncio, a solidão e o aterro invisível;

Logo em seguida uma procissão de anônimos
Sofridos, porém enaltecidos pela fé
seguem cômodos um caminho pré-determinado
pela ordem do bem infalível:
O cansaço anunciado nas pálpebras
Carregando a despedida dos anos...
tão anônimos! Sem aparatos comoventes
sem semente para frutificar esperança em seus quintais
bem cuidados, armazenando o sabor da terra
nas mesas, fruteiras e bacias.

Mas eles também vão até o centro;
As cidades caminham cautelosamente para acomodar os seus
Os cheiros se misturam e formam-se num só;
Cheiro dos anônimos, das ruas, ruas do anonimato
O chão anda o mesmo, as paredes apenas sujam
em algumas casas o dia amanhece outras, no entanto
o sol esquece de anunciar a liberdade
sentenciada aos carmas insanos;
doenças, brigas comuns, os mesmos dilemas;

E as casas vão dominando tudo
no pouco desse mundo sem dono...
mas os becos não esquecem de existir
energizados pelas quedas alheias;
conversas nas calçadas atravessam muros
de satisfações, acrescentando-lhe um pouco de nada
já que a Terra anda perdida de sua rotina
e nenhum buraco é coberto na estrada.

Os meninos correm pela rua, as mães instalam
um grito armado de terror e cuidado
os mais delicados esperam despreocupados
que tarde, e fique apenas as sombras
dos gatos se entreolhando abusados, desatentos!
Os últimos bêbados, os mais fiéis ao desleixo
conversam sem que pareçam ser vistos
qual o problema de andar tropeçando,
se amanhã não há mais nada para fazer?
O jeito é ficar de qualquer jeito
ratos, formigas, escorpiões e baratas
também obedecem às suas funções, velhos anônimos
de bueiros, não se extinguem esses animais!

Na esquina do mundo bifurcam mil universos
alinhados na diferença de cada cabeça
um tufão, uma tempestade, um tsunami
as placas tectônicas se movimentam sem nome
empurram-se cansadas de carregar o mar...
Ah, Natureza anônima! Mãe Terra, Deus mar...
A diversidade mata a individualidade das espécies;
a biografia do sapo? Do lagarto? Do jacaré?
Instintivamente permanecem anônimos,
Sem genealogia, sem signo, ou data de comemorações
Um pouco mais que nada;

A poesia não, se isenta das tragédias, das alegrias
vive presa no quartinho sem número, na penumbra
sem expectativa de encontros, debilmente
desarmada, vestindo um par de asas quebradas
e o quebranto dos fins de tardes, madrugadas.
Pois a solidão gera poesia
escondida, concentrada, anônima.
Já as pessoas são todas estranhas,
Reais, insistentes de si mesmas
sem mitificação para espelhar vontades, basta!
antes nunca que lhe tarde uma
atitude mesquinha e uma identidade desalmada.

Na esquina do mundo bifurcam becos
mas não fica só ai;
outros surgirão, bastam alguéns em algures
está pronta uma cidadezinha!
fofocas e intrigas que não cabem nas avenidas
nem nas cidades, nas poltronas, nos países
aonde vão parar os tantos? Não cabem nos continentes!
não cabem nas camas, nos carros, nas filas
não cabem na poesia.
Em locomotivas não cabem borboletas,
só a revolução e seus bens preteridos
os telégrafos desistiram de comunicar-se
já que o anonimato dominou o planeta.