19 junho 2012

Shauara David


A espera de Chico Buarque...


Um tanto mais que uma carta de fã, mas deixa! Não vim esbarrar em clichês.
Deves saber da linha tênue entre lucidez e loucura, por isso te escrevo. Pedir tua mão e um pouco de todo o resto. Proponho que me faças um convite: Levar-nos (eu e a poesia) a Sampa, Cambaio, Lobo, Budapeste, Veloso, Rio, Leão, Jobim... Apadrinharias a poesia, tornando o infinito palpável, poderíamos tentar novamente felicidade. Convém Chico, nos reencontrar, mas sem questionar nada, não há tempo há perder quando o mundo tem as próprias pernas.
Despedi-me dos amigos considerando tal possibilidade, pude ler em seus semblantes uma compaixão da evidente ilusão, ou até a desesperança de ter perdido mais uma para a loucura. Bem sei o quanto o mundo não me cabe, insano seria perder a oportunidade de tentar, ao menos agora me conheces, invisivelmente. Porque o amor contempla a arte. Ambos nascem da ruína, constroem a beleza e retornam sombra, inalcançável e inútil.
“Pode tudo consumir, o tempo que passa feroz” O tempo manda embora ele não exista. Desfrutar tua música inédita é como um exílio onde respiro livremente. Uma construção perfeita. Como se fosse fácil a arte, ou um prazer visto a parte, em decomposição.
Chove na cidade do sol enquanto me preparo de ti para ti. Em compensação também parei de fumar, só os de filtro. As nuvens não cessam e eu canso meus olhos tentando acompanhá-las.
Cedo para entender, devemos nos aproveitar e reinventar toda história. Ousaríamos elegantemente um café, um passeio na esquina, um chorinho. Até, quem sabe, um brinde à oportuna vida. Derramar o leite em memórias tristes de García, orgulhosamente a flor da pele durante uns cem anos de solidão. Para isso servem os escritores; pra que as palavras remem e resplandeçam nossos sorrisos distantes, prevalecendo uma amizade invisível, carinhosamente dedicada, suponho. A mim coube uma percepção além do controle humano, mas não me gabo. Preferia ser feliz. Não ganhei algum reconhecimento por isso, e por puro egoísmo continuo tentando...
Por hora não prometamos nada, deixa que os outros pasmem. Teu sorriso seria para mim como um tesouro, afinal as pessoas aqui são meio estranhas, gostam de machucar.
“Mas se a ciência provar o contrário, e se o calendário nos contrariar,
mas se o destino insistir em nos separar” (...)
Minhas malas estão empoeiradas e esquecidas de planejo. Digo, fico por aqui aguardando o chá, a caminhada, a boa conversa, as invenções... Fico sem querer ficar, geminiano, também sem me importar se deixo passar tanta terra, tanto mar. Antes fosse árvore, pássaro, ar.
Talvez no tempo da delicadeza (espero!)... Sei que não somos tão mortais.

Agora somos ímpares
Eu, tu e teu outro eu.
Três cruéis dissolvendo integralmente
tuas duas faces frente a frente
refletindo o mesmo espelho.

15 junho 2012

Imunidade





Não se sinta atraído pela minha
entediante mania de jogar nos livros
a capacidade de amadurecer
sentada, inerte na ideia
apenas para organizar meus retalhos
é uma bagunça me repartir solenemente
boca a boca
faz sentido que seja fidedigno
quanto mais fragmentado
o espaço.

O quarto assim, bagunçado, meu bem
me deixa inteirada dos pedaços
Aquieta meu espírito desordenado
Sendo a tua imagem, sem sobra de cobrança
parte decorativa
nesse cômodo verde

Aqui sou capaz de jogar objetos na lua
obrigar às estrelas
uma ríspida seleção
colecionar vestígios do nada
dulcíssima mania de criar mundos;

desconhecendo a ética de seus vícios
torno minha salvação imune.

13 junho 2012

Arrítmicos






Tomei o cuidado de ler-te madrugada adentro
Cautela, miseravelmente
embebedar-me, banhar-me
nessas calmas águas de maio,
equivalente ao tumultuado vão
Abrigado no cérebro
Uma lembrança qualquer
lágrima presa
sem querer desmamar
Criança tímida confunde a criação
Não me importa se me ignoras
nem imaginas,
Quando te busco, sôfrega de paixão
é por puro egoísmo
Devolver-te as mentiras que fingimos crer
dançar ironicamente desmedida
ate cair feliz, adoecida de saciedade
esvaziando o pensamento de ti
e outras tolices do dia.