03 outubro 2009

Menino da rua




Há muito já não convinha culpar o mundo por sua inutilidade na sociedade. Conformado em sua própria escolha se limitava ao comando do destino: O azar dos dias ruins que ia dormir sem ter pego em dinheiro algum, com a barriga e o pensamento vazios. Ou a sorte dos dias bons: quando alguém concedia uns trocados pra lhe suprir a vontade de fumar, e se a fome incomodasse mais que o vício comprava um pão na esquina e sentia-se um pouco menos humano. O pão lhe causava a impressão de esmola, fazia-o lembrar que não tinha uma mesa para sentar e menos alguém para compartilhar a janta, saía porém com a sensação de dever comprido, ao menos por hora não se preocuparia em não morrer de fome, pechinchando apenas a nicotina.Caso alguém perguntasse o seu nome, embora hesitasse em dizer, não havia dúvida : “Pode me chamar de menino”.Teve que inventar o próprio nome e sem muito esforço escolheu aquele que ecoava em sua mente como única lembrança importante de sua mãe. Sempre suja, fumando cigarros vagabundos, passava pelas calçadas a esmo e chamava-o de menino. Mas ele saía indiferente a qualquer passado, sabia que não havia nenhuma estrela no céu que representasse os seus, aliás nem acreditava que tivesse um dia família, por isso sentia que era diferente e podia jurar que nasceu ao acaso, sem nenhum planejamento e nenhum riso que consolidasse uma nova vida. Assim como foi a morte de sua mãe, sem lágrima que representasse o fim ou a saudade. A solidão já estava escrita em seus versos, a tentativa de aproximação com alguém lhe causava tédio e náusea.Gostava de ser só, preferia assim. Tinha alguns amigos que vagavam pelos sinais da cidade. Na verdade trocava com estes momentos rápidos de prosa e aceitava também uma “roda de boca” era como chamavam a reunião para ingerir, por uma necessidade ideológica, algum tipo de “fuga da realidade”. Fumavam, bebiam, cheiravam por horas e ele apenas seguia o seu caminho sem rumo e sem pressa de chegar a canto algum. Roginho era o que mais confiava, era o único que se dava ao luxo de prolongar a presença. Certo dia, ambos tramaram um assalto, combinaram e se divertiram com as diversas possibilidades do erro, e até pensavam em desistir quando Menino ,amedrontado, falava em polícia, na perda da liberdade. Rogi era mais ousado e pretendia sair da miséria, tinha sonhos e confiava em si “Não merecemos tal situação! Isso não é justo! Onde está Deus agora? Eu vou roubar e não tenho culpa por isso!”. Era determinado e se especializou na vida fácil. Menino participou de algumas delas, mas não tinha a vocação. Numa tarde de quarta-feira sentou-se na parada de transporte coletivo e apanhou um jornal que voava pelo chão, no momento que abriu pôde se divertir sem constrangimento, não entendia o que estava escrito ali, mas havia algumas fotos e a sensação de ser um homem que lia um jornal em plena luz do dia era transformada em risos incontroláveis e inocentes. Menino ficou ali por um longo tempo, mesmo não percebendo não estava só: As pessoas acompanhavam com curiosidade àquela cena que não tinha nada demais.

Tardes Bucólicas




Nem somente quando estou sob efeito de alguma erva (mas também em momentos sóbrios), imagino certos detalhes da vida que de tão loucos, são bastante precisos. Impecáveis realizações da mente transformada em pura descrição da realidade.Toda percepção latente torna-se óbvia e perde a magia quando sai da idéia do pensamento para o fato em si.Naquelas tardes em que há forte vento e uma melancolia advinda das ruas vazias abordam a questão da própria existência, que logo associo ao pôr-do-sol de domingo. Quando o sol se despede da sua sensação bucólica, é chegada a hora de mergulhar no escuro iluminado da zona sul.Metrópole calma e solitária, o romantismo dos livros antigos se faz sentir nesse momento, e quase naturalmente o leva ao mundo “preto e branco” interiorano duma história que sequer viveu, a não ser pela leitura. São os últimos momentos do descanso já cansado do ócio, de pensar no dia posterior, onde a rotina dar as cartas e dita o dia bom e o dia mal.Certa vez estava numa dessas tardes bucólicas de domingo, apenas observando enquanto passava por uma reflexão de como não morrer de tédio. Era um condomínio fechado e três crianças brincavam despretensiosamente. Estavam calmas. A única menina parecia liderar o trio, cada um segurava uma vara de galho fino, enfiando-o delicadamente num buraco de formigueiro, esperavam a formiga apoiar-se no pau e a despejava numa garrafa plástica com areia dentro, construindo assim, um formigueiro próprio. A concentração daquelas crianças em realizar um objetivo tão simples despertou o questionamento acerca das atitudes, tantos conceitos complexos de grandes filósofos e tão inúteis quanto transferi um formigueiro de seu habitat natural para um artificial.Os homens pensam de forma artificial e nem mesmo as crianças escapam disso.Querem proibir, limitar e apontar espaços como preferirem, sem preocupar-se com a liberdade ou mesmo vontade do outro.Assim fazem com os pássaros na gaiola, e os peixes no aquário!Acendo um cigarro, velhas tardes de domingo nunca morrem, embora estejam mortas em vida, são sempre iguais: Pensamentos vagos, concentração dispersa, corpo cansado, ruas vazias, ventos barulhentos ao som das árvores mais experientes fazendo sinfonia junto às corujas e grilos.Lembro-me ainda de um grande amor. Nós debatíamos a respeito da atração dos opostos, será que são opostos? Se se atraem supõe que se completam, então não são opostos e sim complemento do outro.Assim, um músico de composições sempre recordativas, tem como consolo para seguir em frente à auto-afirmação do que foi um dia; e em outro de composições românticas é paradoxalmente sensíveis, tendo em vista um coração versátil que fácil se encanta e desencanta friamente.Mas o que isso tem haver com os opostos? São complementos que transmutam entre si, envolvem-se e as conseqüências são a troca de detalhes que restam do tempo: Só as lembranças, e destas apenas restam os ventos de uma tarde bucólica.

5 copos de bebida quente




Teodora chegou em sua casa já tarde. E embora estivesse tudo ao seu lugar, tudo parecia exageradamente novo. Havia saído de um próprio interesse consigo mesma. Fechou todas as portas, acendeu um cigarro que nem chegou a fumar, afinal havia prometido ao seu prometido não mais fumar naquele dia. Nesse momento não podia se descrever em fatos, era como se despretensiosamente respirasse sem pensar em absolutamente nada entendível. Deixava os segundo guiarem a consciência cansada de abstrações, de ousadias.Em algum momento olhou à hora. Passava da meia noite e decidiu que podia fumar, seria o primeiro cigarro do dia.Os tragos seriam bem aproveitados na tentativa de afirmar seu próprio charme, gostava de fumar mais por se sentir charmosa que por necessidade da nicotina. Lembrava o seu dia romântico. Teodora traíra (mas não precisava pensar por esse lado...nem queria), e como uma espécie de narrativa deitou-se no chão frio de seu quarto e tentou despejar no papel as sensações que lhe abarcavam o juízo, porém, sua letra saía ininteligível tanto quanto seus momentos recentes...Aquele telefonema... “Quando encontro os amigos?” poderia escrever durante toda a sua vida sem pausa alguma. Mas o que tinha a dizer? Já não se lembrava, o álcool determinava o momento do riso, o papo fluía... O sorriso...Os beijos cedidos por um instante eterno de beleza e prazer. O tapete de crochê incomodava-lhe as costas, os minutos passavam agradáveis e recordativos, lembrava daquele mesmo amor um dia não correspondido. Era feliz, sentia-se madura e feliz sim! O telefone agora tocava alto, tudo era percepção.Quem ligava? Quem cantava? Quem era ela? Lembrou-se de Caio Fernando Abreu; Machado de Assis e seus amigos comuns. Porque a relação destes? Já não importava, nada importava.Os questionamentos começavam a incomodar. Onde estavam os personagens? Estava escuro e ainda que não se importasse com a coerência dos fatos, sabia que tinha vivido tudo aquilo. Aquilo o quê? O som não dava trégua, o celular tocava e nem sabia se era viva de verdade. A cabeça doía. O sono lhe pesava os cinco copos de bebida quente. Não podia evitar o bocejo que prendia seu corpo contra o chão, a música...o cigarro entre os dedos já não tinha o que queimar...Olhos pesados, momentos... Vida...Música...Música... Chamada... Celular...música.S7

Paixão Infernal




Despertei assustado com um sonho medonho, abafei o grito e enxuguei o suor com o lençol, algo queria me atacar, não sei bem, não podia correr e nem gritar. Em segundos estava numa bela praia, pássaros cantavam como gente, eram músicas famosas, havia um rio que corria no meio do mar aberto, havia ainda uma grande cachoeira, e eu, estava relaxada, sozinha, contemplando a beleza daquele lugar sublime, por uma fração ligeira, voei, foi a sensação! Senti o vento em minha face, o corpo suspenso, os braços abertos, eu sorria... Sorria muito, de repente tive medo, olhei para o chão e pensei “se eu cair?”, no mesmo momento eu caí, uma queda tão profunda que não sentia minha pele, só a saliva que transcorria da boca, entrei no chão, foi uma queda comprida e boa até o momento de estar sentada numa cadeira grande, preta, meio velha e com uma pompa de Luiz XV; na minha frente havia uma cadeira igual, e sentada nela, estava o demônio, muito bonito, elegante e extremamente educado: - olá amiga! Bem vinda ao paraíso do fogo! Não havia ruídos ou qualquer barulho, o silêncio era absoluto, e fiquei fascinada pelo rapaz que se dizia Anjo do fogo. Olhei em seus olhos vivos, grandes e negros como a noite, e antes que pudesse piscar os olhos, ele puxou-me e beijou-me a boca levemente, senti o arrepio da paixão, um desespero quase infeliz! Apaixonara-me, e no auge da minha ternura, apareceu subitamente uma mulher irada, com sangue nos olhos, bastante enciumada, louca, queria me bater, e ela era eu! O seu rosto, oh!O seu rosto! Jamais esquecerei que me vi, ali, brigando comigo mesma, disputando a mesma pessoa, Lúcifer! Que loucura! E ela, (ou eu) puxou sua face como se fosse uma máscara, atrás daquilo apareceu outro rosto, reconheci imediatamente, continuava sendo eu, só que velha, velhíssima, as rugas não disfarçavam o pouco de cabelo branco que havia, a pele engilhada, e ela (eu velha e leprosa) puxou uma faca de dentro de sua garganta e correu para a minha direção, o demônio assistia a tudo rindo, gargalhava muito alto, estava realmente satisfeito, num eterno estado de êxtase.Ela cortou-me ao meio simetricamente, entretanto não sentia dor, somente o medo de olhar para ela, estranhamente eu! O diabo puxou um lado de mim, e tornou a beijar-me, foi esplêndido, mágico, caótico e tranqüilo; a velha pegou o outro lado de mim e quis engolir, porém despertei assustado, com um sonho medonho, abafei o grito e enxuguei o suor com o lençol.

P Ney Kelson!

Tu que sempre buscou
A verdade
Numa roda de amigos
Falavas tão conciso
Tuas Palavras!
Firme era teu olhar
Tão doce era teu olhar...
Tantas tardes procuramos...
Tantas luas observamos
Atrás de descobrir as
Verdades do mundo
Das pessoas
De tudo.
Aonde andas amigo?
Aonde anda tuas idéias bíblicas
Teus passos longos
Teu abraço!
Teu abraço...
E teu sorriso de goiaba?
Tão verdadeiro, tão doce
Como eras tu
Tão surreal como tua
Verdade
Nossa amizade
Minha saudade